Ayrton Senna (Gabriel Leone) wears a red Marlboro jacket and a green-and-yellow helmet as he gears up to race.

SENNA, O GRANDE

"Senna", Vicente Amorim, fala sobre suas memórias do falecido piloto Ayrton Senna e o impacto que o ícone das corridas deixou eternamente no Brasil e no mundo.

30 de outubro de 20248 MIN

O mundo do esporte viu poucas lendas tão grandes no seu país e na Fórmula 1, quanto o grande brasileiro Ayrton Senna. Um dos pilotos mais icônicos da história, um símbolo de velocidade, dedicação e coragem, Senna emocionou os fãs de todo o mundo com a sua capacidade na direção enquanto sua carreira decolava entre as décadas de 80 e 90. Seja no seu começo kart ou como tricampeão mundial de Fórmula 1, ele nunca deixou de estabelecer recordes, conquistando ao longo do caminho adeptos fervorosos – entre os quais, Vicente Amorim.

O diretor cresceu colado à TV aos domingos, vendo o seu compatriota Senna conquistar o mundo e tomar o topo dos pódios de forma avassaladora. “Era algo que unia a minha família, os meus amigos”, diz Amorim.

Agora, Amorim está trazendo a energia contagiante do piloto para as telas com a série Senna. Protagonizada por Gabriel Leone, a série conta a história da vida e a carreira do piloto desde sua infância no Brasil até à sua trágica - e prematura - morte em 1994 no Grande Prémio de São Marino na Itália. Senna tinha 34 anos.

Amorim compartilha com a Queue o que aprendeu sobre o seu herói da juventude e o legado que manteve Senna vivo no coração de milhões de pessoas ao redor do mundo.

Ayrton Senna comes in first at the Detroit Grand Prix on June 21, 1987, wears a yellow racing jumpsuit, and waves a Brazil flag.

Ayrton Senna ficou em primeiro lugar no Grande Prêmio de Detroit em 21 de junho de 1987.

FOTOGRAFADA DE ARCHIVAL DE AYRTON SENNA POR AFP VIA GETTY IMAGES; FOTOGRAFIA DE GABRIEL LEONE EM SENNA POR GUILHERME LEPORACE.

Madeleine Saaf-Welsh: Quais são as suas primeiras memórias de Senna e depois, vê-lo se  ícone brasileiro?

Vicente Amorim: As memórias vêm de muito, muito tempo atrás. Conheço o Senna desde sempre. Desde sempre fui um fã de automobilismo; me lembro de quando era adolescente e ficava acordado até altas horas da madrugada para ver o Senna correr no Japão - e vencer. Era incrível ver alguém como ele vencer com as condições que tinha, enfrentando as adversidades que enfrentava e com a sua coragem. O que realmente me cativou, penso eu, foi que ele não era apenas um bom piloto – era alguém que se preocupava em ser brasileiro, que se preocupava em ser latino-americano. Isso não era algo que ficava em segundo plano depois de ser um piloto fabuloso. Estava sempre em primeiro lugar.

O que o Senna tinha, enquanto pessoa, que você esperaria transmitir com este projeto?

VA: Por mais ídolos que a Fórmula 1 possa ter tido, só teve um verdadeiro herói, e esse herói foi Senna. Creio que o motivo por trás de fazer Senna foi perceber porquê e como ele foi esse herói. Isso tem a ver com o seu talento e velocidade naturais, é claro, mas também com um sentimento de pertencimento, determinação e com a forma como ele percebia o tempo, algo que fazia de uma forma completamente diferente de todos nós. Senna é um personagem muito cativante. Tinha coragem; o que o torna diferente de qualquer outro piloto daquela época, ou mesmo de hoje, e com o qual nos podemos identificar. Não era um “playboy” indiferente como muitos deles. As corridas eram a sua vida; sobrepondo-se a qualquer outra coisa que ele tenha feito. Era destemido e corria sempre para vencer. Mas mesmo nos momentos de maior sucesso, nunca se esqueceu das suas origens.

Qual foi o seu processo de pesquisa? 

VA: Tínhamos muito material de fonte. Pensava que sabia muito sobre ele e descobri que sabia talvez apenas 50 por cento. Havia muito mais para saber e descobrir, sobretudo detalhes da sua vida pessoal. Tivemos imensa ajuda de pessoas do esporte, de outros pilotos, dos seus amigos e da sua família. A família abriu todos os seus cofres mais preciosos e nos contou todos os segredos mais especiais que tinham sobre a sua vida, suas relações dentro e fora do automobilismo. Ajudaram-nos realmente a dar forma a um personagem tridimensional em Senna.

Vi os documentários, todas as corridas, li todas as biografias, como seria de se esperar. Mas também consegui chegar a muitas pessoas que foram seus contemporâneos no esporte. E é engraçado porque lemos sobre o que ele fez, o que disse ou como agiu, mas ouvir isso diretamente de alguém que esteve lá com ele torna tudo completamente diferente. Isso nos permitiu criar cenas na nossa cabeça e combiná-las com outras cenas e a encontrar os pontos de virada emocional mais fortes na sua vida, não apenas na sua carreira esportiva.

Ayrton Senna signs autographs at the Monaco Grand Prix on May 14, 1988 in a red Marlboro racing jumpsuit.

Ayrton Senna dá autógrafos no Grande Prêmio de Mônaco, em 14 de maio de 1988.

IMAGENS DE ARCHIVAL DE AYRTON SENNA POR FOTO FAMÍLIA E ANGELO ORSI @ ASE 2024 | SENNA BRANDS.

Houve algo que você tenha conhecido sobre o Senna no processo de produção da série que te surpreendeu?

VA: Ele estava ainda mais determinado e tinha uma resolução ainda mais forte do que eu imaginava. Era como se ele nunca tivesse desistido do seu código moral, das suas crenças éticas, nada disso para progredir no esporte. Essas coisas vinham sempre primeiro. Ver o quanto isso era realmente verdade e o quanto isso fazia verdadeiramente parte da sua vida e não que era apenas uma imagem que ele projetava foi mesmo incrível.
Você tem como protagonista o brilhante  Gabriel Leone. Como você o encontrou e como foi trabalhar juntos para realmente trazer o Senna para as telas?

VA: Fiz um filme com o Gabriel há uns cinco ou seis anos; vi que era um ator muito especial. É como uma bomba de empatia. É tão verdadeiro. Ele é muito dedicado e prometemos um ao outro que faríamos algo grande e especial juntos. Só não sabíamos o que era. E não tínhamos ideia de que acabaria sendo esse projeto tão grande e tão especial. Liguei pra ele e disse e: “Escuta, acho que você é o cara certo para este papel; topa fazer um teste de elenco? Ele respondeu de pronto: “Para interpretar o Senna? Sim, claro. O que mais precisa que eu faça?” A partir desse dia, soube que seria ele. 

Você tem algum dia ou momento favorito das gravações?

VA: Durante as gravações, eu me diverti. Foi um desafio tão grande e, ao mesmo tempo, um prazer tão imenso filmar isto que é difícil apontar um dia preciso. Mas quando finalmente o vi no estúdio, com o macacão da McLaren dentro do MP4/4, o carro em que Senna foi campeão pela primeira vez em 1988, acho que esse foi o momento mais especial. Foi quando eu pensei Ok,, isso está mesmo acontecendo: o Gabriel é o Senna.

O que você acha  que o Senna significa para os brasileiros e qual é o seu legado? 

VA: Ele morreu na pista no auge da sua carreira, mas num momento difícil para ele, quando lutava contra um sistema que não queria que ele ganhasse, que tinha mudado as regras para garantir que ele não ganharia, na verdade... enquanto lutava por si mesmo e pelos outros pilotos, até pelos seus mais ferozes rivais, num esporte que se tornava cada vez mais perigoso. Ele tem, no Brasil, um lugar incomparável. Não tem mais ninguém no país que seja tão venerado como o Senna. O seu legado é incrível. Não é apenas inspirador, é também muito prático. Não se trata apenas dos recordes e das barreiras que ele quebrou na pista, mas principalmente daquelas que ele quebrou fora da pista: sendo brasileiro num esporte muito, muito europeu; vencendo um sistema que não queria que ele vencesse, como muitos brasileiros sentem que devem fazer todos os dias. Senna acreditava que o automobilismo deveria ir além do dinheiro, do glamour e do brilho. Que deveriam ser, em suas palavras, “pure racing” (sobre pilotar - tradução livre). 

Uma vida ao volante

Senna, cujo nome completo é Ayrton Senna da Silva e com apelido de Beco dado pela sua família, nasceu em São Paulo, Brasil, em 1960. O jovem Senna cresceu ao lado do irmão e da irmã e desde cedo desenvolveu o amor pelos carros e pelo automobilismo. Seu pai, Milton, construiu o seu primeiro kart, e ele começou a competir oficialmente  aos 13 anos. Em 1977, venceu o Campeonato Sul-Americano de Kart, e por duas vezes foi vice-campeão mundial de Kart em 1979 e 1980, chamando a atenção internacional. 

Senna mudou-se para as corridas de monopostos de rodas descobertas em 1981, deixando para trás o seu país natal para correr na Inglaterra. Entre 1981 e 1983, Senna passou pelos diversos níveis das corridas de monopostos, da Fórmula Ford 1600 à Fórmula Ford 2000 e à Fórmula 3, vencendo campeonatos e construindo uma carreira ainda jovem, com o seu nome abreviado, Ayrton Senna. 

Em 1984, Senna se viu no cockpit de um carro de Fórmula 1, correndo pela Toleman Motorsport e estreando pela primeira vez na sua corrida em casa, no Brasil. O piloto causou impacto no esporte ao impressionar fãs e rivais com a sua primeira performance excepcional, debaixo da chuva, no icônico Grande Prêmio de Mônaco. Senna competiu pela equipes Lotus (onde conquistou a sua primeira vitória na Fórmula 1, em 1985), McLaren e Williams, vencendo três campeonatos mundiais, batendo recordes e inspirando a próxima geração de pilotos.